quinta-feira, 20 de junho de 2019

Gari veste farda ao defender TCC na Paraíba sobre 'invisibilidade' da profissão: 'Ser a voz de tantos'

Gari veste farda ao defender TCC na Paraíba sobre 'invisibilidade' da profissão: 'Ser a voz de tantos'

Gari concursado Ednilson Silva, de 31 anos, apresentou trabalho sobre invisibilidade dos garis, na graduação em história pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).



Ednilson Silva defendeu trabalho de conclusão de curso vestido com farda de gari, na UEPB — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Ednilson Silva defendeu trabalho de conclusão de curso vestido com farda de gari, na UEPB — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Em 2013, trabalhando como gari concursado em Pirpirituba, município localizado no Brejo da Paraíba, Ednilson Silva decidiu entrar no ensino superior. Foi aprovado no curso de história da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e seguiu trabalhando e estudando durante cinco anos. Neste mês de junho, utilizando a farda que veste diariamente na função, defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) dele. O tema foi a "invisibilidade" dos agentes públicos de limpeza.
“É notório no campus: as pessoas que exercem a função de policial vão fardadas, pessoas que fazem medicina ou enfermagem vão de jaleco. Por que um gari não pode ir (fardado)? Eu digo ‘eu vou apresentar, vou ter coragem e eu vou. Para dar mais visibilidade também ao tema e aos garis’”, destacou.
Apesar disso, Deninho, como é conhecido pelos amigos e hoje tem 31 anos, contou que nem sempre “vestiu a camisa” da profissão. Segundo o formando, no começo do curso, em 2014, a vergonha e o receio fizeram com que ele demorasse cerca de um ano para compartilhar a experiência com os colegas e professores, no campus de Guarabira.
“Depois eu percebi a importância social que tem a profissão, hoje me identifico com ela e gosto do que faço. Eles [os colegas e professores] ficaram felizes. Ficaram ‘ah, que massa a sua história’. Até hoje eles se surpreendem, antes mesmo dessa repercussão eles já vibravam com meu TCC”, afirmou.
Família e amigos de Ednilson participaram da defesa do TCC dele, em Guarabira — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Família e amigos de Ednilson participaram da defesa do TCC dele, em Guarabira — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Ednilson relatou que concluiu o ensino médio em 2006, mas não alcançou a nota necessária para ingressar em um curso superior nesse ano, nem na tentativa seguinte. Após isso, decidiu se dedicar aos concursos públicos.
Ele participou de vários certames, para diferentes cargos em diversas cidades, até decidir, ainda que relutante, tentar seguir a carreira de gari, trabalho já realizado pelo pai dele.
“Eu fiquei pensando: meu pai é gari, me sustenta até hoje, a gente vive do salário dele como gari. Um trabalho digno, honesto. Eu digo ‘vou fazer (o concurso) pra gari também, que eu tenho mais chances’. E depois (de aprovado) eu comecei a gostar da profissão, no começo eu tive vergonha, ficava meio acanhado”, afirmou.
Durante o curso, Deninho precisou conciliar o emprego, de manhã, com os estudos, à tarde, e a vida em família, já que é casado e tem uma filha de 2 anos e cinco meses. E, embora se identificasse com a área de história, ele comentou, em meio a uma risada sincera, que essa tarefa não foi nada fácil.
“No começo não foi muito bom não. Tinha essa carga de leitura, eu estava meio enferrujado. Comecei patinando, devagarinho, mas fui me acostumando, aí depois você desenrola, vai conseguindo, levando. E eu sempre gosto de ler, principalmente história. Eu acho que foi o curso perfeito”, salientou.
Ednilson é casado e tem uma filha de 2 anos de idade — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Ednilson é casado e tem uma filha de 2 anos de idade — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal

‘Ninguém fala sobre os garis’

De acordo com Ednilson, inicialmente, o tema do trabalho de conclusão de curso dele não seria voltado para os garis, porém, em meio às leituras, ele se deparou com um autor que chamou atenção e o fez abrir os olhos para a realidade que vivia.
“Com o passar do tempo, eu fiquei pensando, eu digo ‘eu vou pesquisar alguma coisa sobre os garis’. E não encontrava nada, nada mesmo. Eu digo ‘caramba, ninguém fala sobre os garis’. Aí encontrei uma matéria falando sobre um cara chamado Fernando Braga da Costa”, disse.
A obra encontrada por Deninho foi o livro “Homens invisíveis - Relatos de uma Humilhação Social”, do autor que tem mestrado e doutorado voltados para o tema que o gari desejava estudar. Os relatos de Fernando encantaram Ednilson.
“Então eu digo: nada melhor do que o próprio gari falar o que sente, o que passa”, contou.
Com o auxílio da orientadora, Verônica Pessoa, o formando desenvolveu o estudo, que recebeu o título de “Trabalho e desigualdade social na contemporaneidade: reflexões sobre os agentes de limpeza pública”. Para isso, entrevistou 10 profissionais atuantes e, com eles, compartilhou as experiências.
Estudo de Ednilson foi voltado para a profissão de gari, que exerce na Paraíba — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Estudo de Ednilson foi voltado para a profissão de gari, que exerce na Paraíba — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Segundo ele, por mais introdutório que seja, o trabalho tem a proposta de “plantar uma semente” e de trazer à tona o debate sobre a importância social desses profissionais, a valorização econômica e a necessidade de melhorias na qualidade do trabalho. “Fazer com que as pessoas vejam. Deem um bom dia, uma boa tarde, atenção”, frisou.
Um dos sonhos de Ednilson é que o trabalho possa, um dia, virar um livro, para que as pessoas conheçam não somente a história dele, mas de todos os personagens que fizeram parte do estudo e são invisibilizados cotidianamente.

Ser a voz e o rosto dos garis

Sobre a escolha de realizar a apresentação vestido com a farda, Deninho afirmou que, embora não esperasse uma grande repercussão, sabia que a atitude causaria estranhamento. Contudo, essa também intenção dele: tornar concreto o objetivo do estudo. A defesa ocorreu no dia 11 de junho.
“Eu estava construindo esse trabalho sobre os garis, eu disse ‘ah, a gente veste essa roupa diariamente e não é visto, se torna invisível’. Eu estou falando da invisibilidade, então… Eu tinha noção de que ia causar um estranhamento, um choque de realidade”, destacou.
Ao relacionar o TCC com o curso de história, Ednilson afirmou que é papel do historiador “tornar o invisível real e audível”, para que novos personagens possam ser conhecidos e lembrados.
“Eu fico feliz porque hoje eu estou tendo a oportunidade de falar, de ser a voz, de ser o rosto de tantos garis Brasil afora, que são invisíveis socialmente”, pontuou.
No trabalho defendido na UEPB, Ednilson quis dar voz aos garis — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
No trabalho defendido na UEPB, Ednilson quis dar voz aos garis — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Com a data da colação de grau marcada para julho, Deninho continuará trabalhando como gari, entretanto, afirmou que espera dar continuidade ao estudo, aprofundá-lo, em um mestrado e, futuramente, no doutorado, além de pensar em ser professor.
“Sei que a dificuldade não é só se formar. Do jeito que eu estou conseguindo, com o meu trabalho, fazer com que as pessoas enxerguem o papel do gari, eu acho que, dentro de uma sala de aula, como professor, eu vou poder conscientizar as crianças desde pequenas, os adolescentes. Eu vou ter um papel social mais ativo”, destacou.
*Sob supervisão de Taiguara Rangel

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