sexta-feira, 10 de abril de 2020

Justiça do Amazonas dá 5 dias para Funai se manifestarsobre expulsão de missionários em Terra Indígena


Daniel Biasetto
O Globo
Família korubo em aldeia do Vale do Javari, no Amazonas
Família korubo em aldeia do Vale do Javari, no Amazonas


RIO - Em meio à pandemia de coronavírus que ameaça os povos indígenas, a Justiça Federal do Amazonas intimou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF) a se manifestarem até o início da próxima semana sobre a expulsão de missionários estrangeiros ou não das terras do Vale do Javari.

O despacho assinado nesta terça-feira pelo juiz Lincon Rossi da Silva Viguini, da Subseção Judiciária de Tabatinga, ao qual O GLOBO teve acesso, dá prazo de cinco dias para que a FUNAI e o MPF deem esclarecimentos sobre pedido de liminar da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que tem como alvos os pastores americanos Andrew Tonkin, Josiah Mcintyre, Wilson Kannenberg, além de religiosos da Missão Evangélica Novas Tribos do Brasil (MNTB).

O GLOBO apurou que o missionário Jevon Rich é um dos que permanece na região, entre as aldeias Paraná e Vida Nova, onde habitam os Marubos, apesar de o presidente da organização, Edward Luz, dizer em vídeo nas redes sociais que todos os religiosos foram retirados das terras indígenas, em razão das ameaças aos povos pelo novo coronavírus.

Por mensagem, Luz afirmou que todos os missionários saíram no final de fevereiro.

O documento, que é assinada pelo advogado indígena Eliésio da Silva Vargas Marubo, se apoia em denúncias reveladas pelo GLOBO a respeito de tentativas de invasão de religiosos a terras indígenas para tentar contato com povos isolados, entre eles os Korubo, e na Portaria Interministerial nº 5, de 17 de março de 2020, conjunta dos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, assinadas pelo ministro Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, que prevê aplicação de medidas coercitivas previstas na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e uso da Força Nacional par reforçar as ações no combate ao Covid-19.

A ação pede a expulsão de pessoas estranhas ao convívio dos povos indígenas do Vale do Javari enquanto durar as limitações impostas pelo governo e autoridades na prevenção e proteçao ao contágio do novo coronavírus. Multa diária de R$ 50 mil para quem descumprir a medida e que missionários só voltem a ingressas na Terra Indígena do Vale do Javari mediante autorização da Funai.

"Que sejam impedidos novos ingressos de missionários e agremiações religiosas, pessoas estranhas ao convívio das populações indígenas para fins diversos daqueles tidos como serviços essenciais e necessários para o exclusivo amparo dos direitos e da proteção das populações indígenas, sobretudo, os órgãos oficiais e governamentais", diz trecho da ação.

Coordenador de isolados é citado

Um dos pontos citados na ação é a relação de proximidade do missionário Ricardo Lopes Dias, coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai, com os alvos da ação e sua omissão diante das denúncias, este último um dos motivos pelo qual o MPF voltou a pedir, nesta quarta-feira, a suspensão de sua nomeação para o cargo.

A Univaja afirma que no cargo responsável pelo cuidado com as populações isoladas "está um outro pastor que outrora ombreava os denunciados e fazia parte da mesma agência missionária com os mesmos propósitos".

"Mesmo sendo um dos coordenadores na FUNAI responsável pela proteção de índios isolados, e mesmo tendo conhecimento dos intentos de seus ex-aliados na região, na condição de agente público e pessoa diretamente interessada na resolução do conflito, se omitiu e nenhuma providência mais enérgica foi tomada com vistas a sanar a questão", diz o documento.

No pedido de liminar, Univaja ressalta à Justiça Federal que desde 2014 vem denunciando as diversas tentativas de invasão dos missionários Andrew Tonkin e Wilson Kannemberg em terras indígenas na região, inclusive com o conhecimento das autoridades policiais.

No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) pediu abertura de inquérito à Polícia Federal para investigar a denúncia feita por lideranças indígenas revelada pelo GLOBO sobre uma expedição preparada por missionários americanos a terras indígenas no Vale do Javari.

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais pediu para que o missionário prestasse esclarecimentos ao MPF, porém, o vídeo-depoimento gravado pelo americano foi considerado nulo. A Funai também foi notificada para se manifestar sobre a denúncia dos indígenas da região.

Andrew afirma estar fora do país. Recentemente ele postou vídeos gravados em uma cidade do Iraque.

Ação inédita

Esta é a primeira vez que uma organização indígena entra com um pedido de liminar de interesse coletivo perante o Poder Judiciário sem que haja interlocutores como procuradores da República ou órgãos federais.

- Fazer contato com as populações indígenas isoladas sem as formalidades que o Estado determina, além de ilegal é perigoso para a segurança dos infratores que podem sofrer sérias agressões físicas e também pode gerar prejuízos incalculáveis para esses povos, que podem contrair qualquer doença e não sobreviver - afirma o advogado da Univaja, Eliésio Marubo.

- Entendemos que a religiosidade e forma doentia que essas pessoas procuram manter contato com os povos isolados põe em risco de extermínio muitas vidas humanas - afirma.

Entenda o caso

Alvo de dois inquéritos por tentativa de invasão a terras indígenas no Vale do Javari, na Amazônia, entre 2014 e 2019, o missionário norte-americano Andrew Tonkin se prepara para mais uma tentativa de alcançar povos isolados na região, o que fere a política de não contato estabelecida pela Constituição de 1988.

Relatos de lideranças dos povos Marubo e Mayoruna (Matsés) apontam que o religioso reuniu índios convertidos e outros integrantes da organização "Frontier International" durante as últimas semanas para fazer uma expedição ao Igarapé Lambança, território habitado por indígenas não contatados, localizado no interior do Vale do Javari.

O GLOBO apurou que eles pretendem utilizar o mesmo hidroavião monomotor com que já fizeram outras investidas para chegar ao povo Korubo, que habita o Igarapé Lambança. A aeronave pertenceria ao líder religioso Wilson Kannenberg.

Tonkin foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF), à Funai e à Polícia Federal (PF) em duas tentativas de entrar ilegalmente em terras indígenas. No ano passado, ele entrou sem autorização na região onde vivem os isolados perto do rio Itacoaí, oeste do Amazonas.

- Ele pretendia fazer contato com os isolados Korubo e foi visto em meados de setembro acompanhado de um pastor indígena Mayouruna — afirmou ao GLOBO o presidente da Univaja, Paulo Marubo.

Em fevereiro, O GLOBO mostrou que a investida de evangelizadores na região já atinge 13 dos 28 povos reconhecidos em situação de total isolamento. Além do Javari, com o registro de ameaça a 10 povos confirmados, há ainda outras ocorrências nas terras indígenas Mamoadate, na Cabeceira do Rio Acre, e Hi-Merimã, no Rio Purus (AM).

A lei brasileira determina que iniciativas de contato com os grupos de isolados devem partir deles próprios, cabendo ao governo federal proteger e demarcar suas terras.

Outros lados

Procurada, a Funai, o MPF e a Missão Evangélica Missão Novas Tribos (MNTB) ainda não se manifestaram sobre o processo e nem a presença de missionários na região.

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