Revista NORDESTE traz reportagem sobre colapso de água em CG, com açude a 8%
Campina Grande tem racionamento desde dezembro de 2014 e com açude chegando a 8% população já teme ficar definitivamente sem água se transposição não chegar a tempo
Segundo informações do professor do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal de Campina Grande, Janiro Costa Rego, membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, é pouco provável que o açude Epitácio Pessoa receba recarga de água até o final do ano. “A situação do que resta do Açude Epitácio Pessoa (chamado também de Boqueirão) tende a se agravar. Quando chegar os meses mais quentes e secos do segundo semestre as perdas serão maiores, o que deve provocar aumento no racionamento”, afirma. Janiro ainda explica que a tendência também é que a água que resta vá se deteriorando e perdendo qualidade, física, química e biológica, levando a sair dos padrões recomendados pelo Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. “Já temos noticias de que em alguns parâmetros, como concentração de sais, ela já ultrapassa os limites da norma. Então já se bebe água em condições precárias e a qualidade vai piorando mais ainda. Há um risco grande que essa água se degenere ao ponto da estação de tratamento, que faz a potabilização da água para ser distribuída em Campina Grande, não conseguir potabilizá-la”. A esperança do técnico é que as obras da transposição mantenham o ritmo e sejam inauguradas antes de dezembro. Mas cada vez mais isso parece menos provável de resolver a situação de Campina.
Confira abaixo texto de Ligia Coeli e fotos de Kalina Aires Soares que visitaram o açude e registraram a atual situação do manancial e da população de Boqueirão.
UM AÇUDE À MORTE
Mas àquela altura, quem fincava os pés no que chamam de ‘balde’ do açude só conseguiria ver um morto com boias em suas veias frágeis, equipamentos sugando o resto de sangue que lhe restava. O atual sistema de captação foi uma alternativa para não estancar de vez a distribuição no abastecimento. Em julho de 2016 Boqueirão alcançou a lamentável marca dos 8% de sua capacidade total, resultando em sistema de racionamento nas cidades que dependiam diretamente dele. Para registrar as imagens que ilustram essa reportagem, fizemos um longo percurso que – na época de cheia – seria impossível fazê-lo a pé. Caminhávamos esmagando conchas e fincando o pé onde deveria ter água. Muita! Mais precisamente 18 metros acima de nossas cabeças. Mas naquele dia só existia planta queimada de sol, capim e lama que engolia nossos tênis velhos.
O restaurante “Margem das Águas”, além da clientela, também perdeu o sentido da alcunha. Não há água para morar ali, a margem foi pra longe. O lugar que costumava ficar cheio já a partir das 7h da manhã, agora mais parece uma festa que está chegando ao final. Quando chegamos o garçom ajeitava as mesas com um olhar perdido que nos comoveu. “A essa hora eu não deveria nem estar arrumando as cadeiras, já nem havia mais canto pra o povo sentar”, diz ele enquanto checa no relógio: era 9h e apenas um casal chegava acompanhado de duas crianças. Fez questão de se encostar na sacada do restaurante e dizer que era dali onde ele e os funcionários pulavam direto para dentro do açude. “Quando dava cinco da tarde a gente fechava o bar e ficava aqui. Pulava daqui mesmo”, diz enquanto olha a distância que a água está dos nossos olhos.
Pesca de anzol é mau sinal para quem vive de tecer redes. É o caso de José Marques do Nascimento. Na vila de pescadores atende apenas como “Deca”. Aos 55 anos, diz com fala rápida que “não tá dando peixe e o povo fica desgostoso”. Deu para perceber que ele fica desgostoso também. Uma única rede pode levar até um mês para ser tecida por completo e vendida por R$ 60,00. Sem água e sem peixe, a atividade que era considerada tradicional na vila de pescadores passa a perder o sentido. E seu Deca se perde um pouco também. “Não tem gente nem pra pedir conserto de rede. Dependendo da empreitada eu cobrava dez reais, mas agora que o açude tá baixo, tem pouco consumo”, diz. Sem peixe para arrebentar as redes, ele não vende e elas se amontoam em um dos quartos da casa.
Amontoado também de embarcações. Além das canoas que são engolidas por mato na beira do açude, é possível ver como a seca engoliu a movimentação na única marina existente na cidade. O empreendimento conhecido como “Biu da Lancha” é do comerciante Severino Xavier da Silva, de 52 anos. Ao todo são mais de cinquenta lanchas e jet-skis parados no galpão, acumulando poeira e esquecidos pelos donos. “Antes, quando era fim de semana a gente botava 20 embarcações na água, hoje, se a gente colocar três é muito”, diz. Só em precisar reconstruir o píer para dar passagem às lanchas, muitos moradores simplesmente desistem.
E esse olhar ressentido parecia se espalhar como doença entre os outros moradores, que já arredios, por causa da presença constante de jornalistas por aquelas bandas, já não queriam dar notícias do morto. Cansados de descrever como foi o crime, eles só queriam saber agora o dia do enterro para velar o defunto em paz.
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